quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Marcos. R. Terci

Nosso Café recebe o escritor Marcos. R. Terci, autor do livro 'O Bairro da Cripta - As Elegias '.

Seja bem vindo Marcos !
M.R.Terci é escritor, poeta e advogado especializado em Direito Internacional com ênfase na União Europeia e Mercosul. Nascido em Descalvado-SP, em 1973, busca honrar aos Deuses da Criação Literária enfrentando, diariamente, o desafio da página em branco, devotando sua energia ao solitário trabalho de traçar destinos através dos meandros do sobrenatural. Entre suas obras está a pentalogia do "Bairro da Cripta" (As Elegias, Os Epitáfios, As Nênias, As Endechas e os Epicédios), cujo primeiro tomo saiu, este mês, pelo Selo LP-Books e o romance histórico "Caídos" (volumes I e II), aprovado pela Editora Multifoco para publicação no próximo mês.


J.M.: Quem é Marcos. R. Terci?

M.R.T.: Levei quarenta anos para chegar até essa pergunta e devo levar, ao menos, mais quarenta para respondê-la. Mas, se do fundo de minha alma eu pudesse sacar uma resposta, diria que sou apenas um leitor com dedos inquietos. Alguém que não se acomoda quando vai a uma livraria e não encontra nada que agrada. Não sei. Enquanto isso, vamos escrevendo.


J.M.: Conte-nos sobre seu projeto que tem “As Elegias” como o primeiro tomo da pentalogia do livro “O Bairro da Cripta.”

M.R.T.:  A ideia surgiu há algum tempo, quando eu ainda escrevia o Caídos. A mitologia que usei no Bairro, parecia se escrever sozinha. Como uma escavação arqueológica, um aprofundamento que ia cada vez mais além. Nesse processo, palmo a palmo foram surgindo elementos que se integravam, como um enigma, um quebra cabeças macabro. O Bairro da Cripta é uma série de cinco tomos, cujas estórias e personagens se completam. É como se o leitor fosse convidado a coligir dados, informações, pistas e desvendar esse enigma no decorrer de suas páginas. O que é o Bairro da Cripta? Por que tudo é tão anormal naquela localidade? Que segredos estão escondidos em suas ruas, casas e catacumbas de pesadelo? Você se arma de um bom lampião, um pouco de coragem, pega a ponta do novelo, aquele fio tênue com manchas de sangue, e, passo a passo, vai avançando por esse labirinto insondável de lápides e mausoléus do mal afamado Bairro da Cripta.




Eu escrevo por fraqueza. Acho que é uma falha em meu caráter. Um vício, um deslize, um terrível embaraço que não pode ser explicado. Por outro lado, escrever para quê? Creio que chega um momento em que eu preciso retirar as palavras de dentro de mim. Os sentimentos às forçam para fora. Os sentimentos ocupam muito do meu espaço. Depois vem o silêncio. As palavras fora de mim, deixam o silêncio.
Escrevo, então, para aqueles que, assim como eu, têm sentimentos para exteriorizar e desejam esse silêncio dentro de si. 


J.M.: Terror não é o forte no gosto dos brasileiros como é nos EUA e Japão. Na “nossa” literatura ficamos restritos ao gênero. De onde vem a sua inspiração?


M.R.T.:  Isso, infelizmente, é uma terrível realidade. No Brasil temos a tendência de americanizar à tudo. Se vive sob o estigma do "aqui nada se faz, tudo se copia". A produção literária, lamentavelmente, não é à prova desses modismos. Veja, se um livro bomba nas mídias, vira franquia e rapidamente, surgem os genéricos. "Lá vem o surto epidêmico zumbi". "Depressa, vamos à livraria... ops, ao cinema ver o filme do livro, antes que centenas de outros escritores escrevam sobre o mesmo tema, outra e outra vez e assim sucessivamente até que se esqueça que o patriarca do gênero, George Romero, também era norte americano". "Vampiros... oba!" - e lá vem outra enxurrada de livros. Eu espero que a moda do sado masoquista rico e bonito que seduz uma mocinha ingênua e faz ela de gato e sapato até que ambos se apaixonem perdidamente, não avance demais no meio literário.
Há, fixa, no subconsciente coletivo brasileiro - não apenas das editoras, mas dos escritores também-, a ideia que o novo, o diferente, o inusitado não é cavalo bom para se apostar. Melhor copiar a fórmula que está dando certo, do que arriscar algo diferente. Bom, na minha pouco abalizada opinião, essa fórmula não serve para remédio. 
Nosso folclore é vasto e pouco usado. Monteiro Lobato, natural de Taubaté-SP, um dos mais influentes escritores brasileiros de todos os tempos, escreveu uma mitologia repleta de criaturas míticas, com estórias maravilhosas, lastreando sua escrita sobre o folclore regional. Há pouco tempo, uma amiga, a Lu, sugeriu que o Dia do Saci fosse institucionalizado, no Brasil, e pregado nas escolas em lugar do Halloween - que, diga-se de passagem, o norte americano copiou anteriormente dos europeus. Achei lindo!
No Caídos, quando eu mencionava o fidalgo europeu desbravando selvas e sertões, nas Terras de Santa Cruz, eu conjurei todo o bestiário do bom e belo folclore brasileiro. Confrontei o colonizador português com curupiras, sacis, mula sem cabeça, boitatá. Fiz aquele traseiro branco correr selva acima e selva abaixo, até cair nas "graças" da Inquisição. O resultado está quase chegando à lojas. Vamos ver se agrada.
Por outro lado, na série do Bairro da Cripta, eu me decidi por um caminho diferente. Peguei a criptozoologia europeia e norte americana e abrasileirei ao máximo. Não que isso, outrora, já não houvesse sido feito. O ghoul - criatura mítica que se alimenta da carne decomposta dos cemitérios - cá, in terra brazilis, é chamado Papa figo; A bruxa é a Pizadeira; O morto vivo ou zumbi - da tradição haitiana - é o Corpo-seco; o bicho papão (boogie man) é a Cuca; a sereia é a Iara e por aí vai. Diferente do que se assemelha e da tendência a copiar o modismo que vende, esse folclore NÃO faz parte do "nada se cria, tudo se copia". Ora, peguemos como exemplo o Corpo seco, relatado em São Paulo, Paraná, Amazonas, Minas Gerais e na região Centro-Oeste. O Corpo seco, outrora, foi "um homem muito cruel, que surrava a própria mãe. Ao morrer, foi rejeitado por Deus e o Diabo. Não foi enterrado, porque a própria terra, enojada, vomitou seu corpo. Assim, perambula por aí, com o corpo todo podre, ainda cheio de ódio no coração, fazendo mal a todos os que cruzam o seu caminho" (in Pericão, Alexandra. Uaná, um curumim entre muitas lendas. São Paulo: Editora do Brasil; 2011; 1ª ed.). Esse é o NOSSO morto vivo tupiniquim! Não foi contaminado por um vírus. Não é uma cópia, não é estereótipo. É um ser mítico, sobrenatural,  com origem e história própria. E, meu Deus! Que origem! De maneira que, não precisamos escrever ou reescrever as fórmulas que transformam pessoas em canibais mortos, em um país que sequer deu um jeito na dengue ou, ainda, de vampiros, aqui no Brasil, onde ainda elegemos através do voto, os maiores sanguessugas do mundo. 
Quando vejo exposto no stand de uma livraria, uma obra, escrita por um escritor (brasileiro ou estrangeiro) que se valeu da mitologia vampírica, eu passo ao largo. Vi um cartaz, no cinema, de um filme que reinventa a estória do Drácula de Abraham Bram Stoker. Gente, Anne Rice já esgotou o tema. Chega, por favor!



Simplesmente amo o fantástico e seus subgêneros; a fantasia, a ficção cientifica e o horror. Esse filão sozinho já se basta. O medo, o suspense, o imponderável - há algo ali que torna o leitor nosso cúmplice. Cada vez que descrevemos um cenário de crime e mistério, é o leitor quem suja as mãos com o punhal ensanguentado e, palmeando a cada detalhe do cenário descrito, vai deixando impressões digitais por toda a cena do crime; é o leitor quem primeiro chega ao bosque onde um corpo, à luz do luar, foi destroçado por uma besta ensandecida; é o leitor que, tragicamente, participa dos desastres e perdas que mobilizam os protagonista do conto a tomar uma atitude - lutar e arriscar ou correr e sobreviver. O leitor, participa dessas decisões e, quase sempre, consegue arrastar o protagonista para fora daquele cenário de pesadelo e morte. Quando você escreve sobre o tema, você desperta no leitor, a mais forte das emoções. E, foi Lovecraft - mestre! - quem disse: "A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido."


J.M.: O advogado é o “Sr. das palavras” afinal o sucesso de uma ação judicial depende de como os fatos são narrados.  A sua formação em Direito ajudou-o a ser um escritor ou a literatura te incentivou a ser advogado?

M.R.T.: A literatura, definitivamente, me incentivou a ser advogado. Quando jovem e idealista, eu possuía uma inclinação natural às letras. Lia muito e já escrevia contos. Mas, havendo alguma vocação, eu me decidi pelas ciências jurídicas. Advoguei por 15 anos. Obtive sucesso naquilo ao qual me dediquei, entretanto, em certo momento, eu perdi a convicção. E um profissional sem convicção é uma faca sem gume.  Eu já não gostava do que eu escrevia, muito menos daquilo que lia. Decidi, então, abraçar a carreira literária - até ali, mero hobbie - e agora eu decido o que escrevo e por quem escrevo. Curiosamente, em duas ocasiões na pentalogia do Bairro eu menciono as ciências jurídicas: a primeira, no segundo tomo da série (Epitáfios) na narrativa de "Um prato cheio de agonia"; a segunda no tomo quatro (Os Epicédios), no conto "Dentro do Pentagrama". 



J.M.: O livro fala sobre aparições atormentada, sombras famintas, alienígenas, demônios e psicopatas, entre outros que compõe este cenário fantástico de terror e suspense. Que tipo de reflexão este tema sugere?



M.R.T.: Ah, excelente pergunta, Jéssica. Você deve observar o Bairro sob dois prismas. No primeiro, você arranha apenas a superfície e percebe que todas as estórias estão interligadas; a série é, como eu disse anteriormente, um imenso quebra cabeças. Nada ali acontece ao acaso. Se o velho Ari conversa com outro personagem em um conto, provavelmente este personagem vai levar esse dedo de prosa - a informação - para outro conto, naquele mesmo ou em outro dos quatro tomos; se algum herdeiro Cappadocci deixa um de seus inventos perdidos por aí, isso provavelmente vai afetar a vida e o destino de outro personagem, em alguma outra narrativa ou, quiçá, no tomo seguinte. 
No segundo lado da moeda, você, como leitora, percebe uma reflexão mais psicológica e aprofundada. Vem da sugestão: "É sempre treva no Bairro da Cripta". Ora, a treva não é apenas a escuridão, o mal. É também a intolerância que produz situações de ódio e violência, com consequências trágicas. Racismo, sexismo, xenofobia e outras formas modernas e prosaicas de intolerância - como o bullying – que fazem parte de nossa, incrivelmente reduzida, capacidade de suportar a existência do incomum, do diferente e, em última análise, do outro. 
A treva é também a ignorância - mãe da intolerância. Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância. É ela quem, no passado, levou homens e mulheres à fogueira: "tu dizias que as fogueiras continuariam até o final dos tempos e quando não houvesse mais bruxos para queimar, queimar-se-iam também os hereges, os inocentes, os racionais e os doentes de raciocínio, os afeminados e as donzelas velhas e solitárias" (sic Caídos - Abadia do Sagrado Suplicio - página 10, M.R.Terci). É a ignorância que nos leva a usar a língua, antes do cérebro. É, curiosamente, a ignorância, a mãe de todas as superstições.
No Bairro da Cripta, confrontamos essas superstições com os monstros que ocultamos sob a pele. E, bem sabe, é debaixo da pele que nascem as intenções. As boas e as más. 


J.M.: Quais as dificuldades que encontrou para dedicar-se a literatura? Algo o faria desistir de escrever?

M.R.T.: Revisores. Os revisores são pessoas que contratamos, para lerem, em primeira mão, um bom livro e - pelo amor de Deus! - você ainda os remunera por isso. Brincadeira! Adoro os revisores! Sem eles eu seria considerado um semianalfabeto - só acho que deveriam cobrar menos. A maior dificuldade de um escritor, hoje em dia, é a falta de respeito das editoras para com o escritor e para com a obra escrita. Relativamente ao escritor, há demora na análise dos manuscritos. Aqui, no Brasil, há prazos que variam de um à nove meses. Verdadeira gestação! Em alguns casos, a editora já analisou e recusou o original, entretanto, não digna ao escritor a mera negativa. Vê-se, com isso, uma profunda e incorrigível falta de respeito para com o ser humano que dedicou horas, senão meses, ao labor de colocar suas ideias em um simples pedaço de papel. As editoras costumam justificar que o imenso número de originais enviados, aos redatores, impossibilita o breve retorno. Curiosamente, o número de lançamentos dessas editoras, se limita à uma obra ou duas em um período de meses. Ou os nossos escritores são verdadeiras bestas - isso eu duvido! - ou, quiçá, os verdadeiros semianalfabetos estão no meio editorial. No geral, creio que essas editoras possuam dificuldade de aprendizado, haja vista que a grande maioria não aprende com os próprios erros. As editoras portuguesas retornam correspondência literária no prazo máximo de seis semanas.  
Essa morosidade das editoras brasileiras, impossibilita ao autor corrigir seus deslizes, aprimorar-se naquela arte e, em muitos casos, na ausência de resposta, o demove de suas ambições literárias. O iniciante, completamente órfão de conhecimento e carente de quem possa guiá-lo com verdadeiro acerto pelo mundo no qual penetra, precisa de palavra de estímulo ou puxão de orelha de um editor, evitando, assim, dar tropeço após tropeço no caminho literário.
Há muito material de valor dentro de gaveta de escrivaninha, porque ninguém pensa em lapidar um escritor iniciante. Essa dissuasão é a razão pela qual temos tão poucos nomes a ocupar destaque na mídia literária mundial.
Quanto à obra do escritor, também existe desrespeito. O desprestígio com que se remunera obras vencedoras, em concursos, aqui no Brasil, é flagrante. Citarei novamente as editoras europeias, em destaque, a portuguesa, que quando decide abrir um concurso literário para descobrir um novo talento, geralmente estipula prêmios que variam entre cinquenta e cem mil euros (o que, na cotação de hoje, equivale a R$ 156.500,00 à R$ 313.000,00), afora a publicação da obra por um selo consagrado e o pagamento de royalties, em alguns casos, até mesmo os direitos autorais. Aqui no Brasil, já participei de concursos literários que pagaram entre R$ 250,00 à R$ 3.000,00, isso para o ganhador do concurso. Não cometerei a indignidade de citar o valor destinado ao segundo colocado. O concurso literário brasileiro que nutre algum respeito pela obra do escritor é, talvez, o Prêmio Paraná de Literatura que chega a premiar com R$ 40.000,00 por categoria (romance, livro de contos e livro de poesia).
O que me faria desistir de escrever?
A morte. Todavia, se os espiritualistas estiverem certos, existindo psicografia, nem a morte me faria parar de escrever.


J.M.: Parabéns Marcos pelo livro! Muito obrigada por sua entrevista ao “Um Café e Um Livro”. Cada autor que é entrevistado pelo Blog deixa sua contribuição não só com suas obras, mas também com suas experiências expressadas em cada resposta. Enriquece o leitor com suas fantasias idealizadas em livros e com o conhecimento dividido. Como idealizadora do Blog, eu só me engrandeço com a oportunidade de conhecer e poder divulgar tanto talento. Boa sorte, autor e Sucesso!

Obrigada a todos que visitam o Blog Divulga Autor. Confiram o livro 'O Bairro da Cripta - As Elegias nos links abaixo!



                                          
Amo escrever. Gosto de contar histórias e estórias. A minha querência, em um sítio tão frágil quanto o espaço que ocupo no mundo literário, é de se fazer conhecer essas minhas estórias. Sou contista. Fui criado dentro de uma família onde se ouvia mais do que falava - graças a Deus! A tradição oral era forte e repleta de experiências ricas e primorosas. E, de tanto escutar, hoje tenho experiência para contar. Foi Jean-Jacques Rousseau, em seu "Discurso Sobre as Ciências e as Artes", na Academia de Dijon em 1750, quem profetizou: "A esse motivo, que me encoraja, junta-se outro, que me incita - é que, depois de ter sustentado, de acordo com minhas luzes naturais, o partido da verdade, seja qual for meu sucesso, há um prêmio que não poderá faltar-me e que encontrarei no fundo de meu coração".
Bem, que melhor recompensa eu poderia esperar, senão a de ter um livro meu sobre a sombra de vossos cílios?




Desejo, antes de tudo, que a leitura vos sede agradável de maneira a justificar a boa vontade dispendida na acolhida a este filho tão tenebroso. Mas, em verdade, um escritor não tem que se preocupar com mensagens. Eu aprendi, lendo o maior escritor de horror de todos os tempos, que um escritor tem mesmo é que contar uma boa estória. Algo que fique em vossa memória e que vos faça desejar ler e reler vezes seguidas. Se vai divertir, assustar ou intrigar, não importa. O que realmente importa é que eu, enquanto escritor, dividi convosco o que ia dentro de meu coração. "E, não há maior mensagem do que aquela que transmitimos com nossa alma, ainda que sejam palavras tão má afamadas de uma alma tão escura".












Entrevista cedida a: Jéssica Morgan

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