domingo, 22 de dezembro de 2013

Conto - Um Encontro Incomum



I

Assim que entramos no hotel, fiquei surpreso com o contraste que o exterior, antiquado, fazia com o interior futurístico.
Aquele planeta realmente era um mundo bastante contraditório. Desde que pousáramos ali, algumas horas antes, não cansava de me abismar com as diferenças que as ruas apresentavam; mendigos e carros de luxo, trafegando nas mesmas vias, uns quase passando sobre os outros, como se fosse a coisa mais comum. Monumentos riquíssimos e favelas lado a lado, luxo e miséria no mesmo endereço.
O hangar, em que havíamos deixado o cruzador-estelar ficava a poucos minutos do hotel e fomos a pé até ele, depois de desembaraçarmos nossas malas da alfândega planetária; mas foi o suficiente para constatarmos aquela dura realidade.
Enquanto pensava em tudo isso, minha parceira encaminhou-se até a recepção, para tratar de toda a burocracia referente a nosso registro. Eu, como novato, recém chegado da Terra, não conhecia tão bem tudo aquilo quanto Arina, que já estava acostumada com aquelas viagens estelares. Fiquei observando o local, entretido com a quantidade de seres exóticos que circulavam por ali. Minha atenção, porém foi aguçada por uma jovem de pele azulada, que sentada a uma mesa, no luxuoso bar, olhava-me insistentemente com seus grandes olhos verdes.
Era uma garota charmosa; cabelos negros encaracolados; contrastavam com o azul claro de sua pele, seus lábios estavam recobertos por um batom bordô, que acentuava a boca carnuda. Ela ergueu-se e aproximou-se lentamente, enquanto observava-lhe as formas exuberantes, seios fartos, uma cintura fina e quadris estreitos que o vestido de um vermelho cintilante realçava ainda mais. Ela passou por mim, mantendo seus olhos verdes sobre minha pessoa, enquanto fechava os lábios num ensaio de beijo.
Assim, olhando para trás, ela sumiu por entre as pessoas do corredor.
Sem que eu pudesse evitar, fiquei a fitá-la até sumir, enquanto minha parceira, Arina, aproximava-se com a placa-chave do quarto em suas mãos.
— Tudo bem, Airam? — indagou ela, assim que chegou-se a mim.
— Tudo. Tudo! — observei-a, seus cabelos loiros encaracolados, adornavam-lhe a face rosada, enfeitada por aqueles olhos cor de esmeralda, que pareciam faiscar devido ao brilho do por do sol que entrava pelas amplas janelas, que enfeitavam o saguão do hotel.
— Vamos, consegui dois quartos. — ela pegou sua mala, que eu segurava, enquanto o “carregador”, uma criatura humanoide, mas com traços genéticos de algum tipo de roedor, talvez um coelho, apanhava o resto da bagagem que trazíamos.
Seguimos a estranha criatura até o elevador, envidraçado e, enquanto subíamos, pude avistar lá no saguão a jovem de pele azulada, que tanto me impressionara, e que acompanhava nossa subida atentamente.

Horas mais tarde, a noite já havia caído sobre aquele hemisfério de Ganabion, e o céu estrelado ostentava duas formosas luas, cuja luz clareava a cidade e o deserto árido mais ao norte.
Da janela de meu quarto eu observava a tudo aquilo, enquanto, elegantemente vestido, aguardava por minha parceira, para subirmos ao restaurante-terraço que ficava no último andar do luxuoso hotel.
Aquelas férias realmente tinham vindo a calhar, depois da dura missão que enfrentáramos, dias atrás; precisava daquele descanso. Eu, um terráqueo não acostumado com toda aquela loucura estelar, sentia-me como num conto de fadas, principalmente por ter conhecido Arina, ela era uma garota especial e, ter enfrentado todos aqueles riscos e perigos, ao lado dela, tinha criado laços entre nós, laços que precisávamos definir melhor.
O “anunciador” tocou forte, indicando que minha parceira chegara. Aproximei-me da porta e com um simples digitar de botões, fiz a mesma abrir-se.
Arina estava linda, um vestido de cor verde musgo, bem justo, porém longo, adornava-lhe o corpo bem torneado e insinuante. Ela passou por mim, revelando um generoso decote que saía de seus ombros até a cintura, deixando-lhe as costas praticamente nuas, e deu um giro rápido, exibindo sua roupa de gala.
— Que tal estou? — indagou, com um sorriso, na boca vermelha de batom.
— Linda. — disse, ainda um pouco admirado devido a tanta formosura — Está pronta? Podemos ir?
— Claro. — ela ofereceu-me seu braço, que enlacei gentilmente.
Subimos até o restaurante, muitíssimo bem decorado, onde pessoas, de vários planetas e gêneros, jantavam elegantemente. Adentramos o salão, e imediatamente o maitre aproximou-se oferecendo-nos uma mesa. Solicitamos que o local fosse no terraço aberto, onde o frescor da noite tornava-o agradável, um lugar raro naquele planeta quente.
Tomamos lugar numa mesa redonda, bonita e muito bem enfeitada. Arina sentou-se primeiro, enquanto eu arrumava-lhe a cadeira educadamente.
— Está gostando? — indagou ela, tão logo sentei-me à sua frente.
— Muito, o lugar é lindo! — completei, olhando ao redor.
— Desde que a guerra intergaláctica entre a galáxia de Taurius e a nossa, de Âmbion, teve início, este lugar tem sido meu refúgio. — segredou ela — Sempre que tenho uma oportunidade, venho para cá para ter alguns momentos de paz.
— Você já combateu muito?
— Sim, o suficiente para estar cansada de ver tantas mortes. — seus olhos entristeceram-se e baixou-os em direção à mesa.
— Desculpe, não queria entristecê-la.
— Tudo bem Airam. Essa é uma conversa que procuro evitar quando estou de folga. E você, como se sente tão distante de seu mundo?
— Às vezes confuso. Desde que você foi me buscar, aquela noite, lá na Terra, dizendo que havia sido escolhido para representar meu mundo nessa força intergaláctica especial, eu tenho vivido um sonho, como se meus dias e noites fossem uma montanha russa que não sei nunca como começa e quando vai terminar.
— Te entendo! — ela olhou-me, seus olhos verdes pareciam faiscar — Eu também me sinto assim às vezes. E olha que, pra mim, toda essa tecnologia não é novidade.
Arina voltou seu olhar para o terraço, enquanto um vento fresco fazia seus cabelos esvoaçarem de forma maravilhosa. Olhei-a, realmente ela era uma garota divina, nunca imaginara que, algum dia, estaria metido numa espécie de confusão intergaláctica e ainda tão bem acompanhado. Estar ali era algo fantástico e, apesar de tudo o que havíamos passado juntos, ainda não tinha certeza do que ela sentia por mim. Hora ou outra parecia se interessar além do normal por minha pessoa e outras parecia ser tão fria, tão profissional...
Enquanto estava perdido em minhas divagações, não percebi que a jovem que encontrara na recepção do hotel mais cedo, havia entrado no recinto e sentara-se numa mesa próxima a nossa, de uma posição que podia observar-nos com facilidade. Ela retocou o batom, olhando-se numa espécie de espelho, só que formado por luzes azuladas, que refletiam-lhe a face delicada, saindo de um pequeno aparelho prateado.
O jantar foi servido, conforme as orientações que Arina passara ao garçom. Eram pratos exóticos, diferentes dos que estava acostumado, e Arina orientava-me de como me servir daquela comida alienígena, porém de sabor agradável. Para acompanhar, um drink de cor azulada e sabor efervescente havia sido servido.
Enquanto jantávamos, nossa observadora apenas tomava um drink, após ter sido indagada pelo garçom sobre o que gostaria de pedir. Ela observava-nos insistentemente e, após minutos assim, pediu um papel ao garçom e escreveu rapidamente um bilhete, que pediu que me fosse entregue.
Em silêncio, o garçom, um ser meio lesma, semelhante aos scargôs, aproximou-se, passando-me o bilhete em frente à Arina.
— Da senhorita. — disse ele, entregando-me o papel.
Olhei em direção a ela, que ergueu sua taça em sinal de brinde.
— Arranjou uma admiradora. — retrucou Arina, olhando-a também.
— Parece que sim. — olhei para o papel, não entendia nada daquela grafia alienígena e olhei para Arina, entregando-lhe o bilhete — Importa-se?
— Claro que não. — disse ela, apanhando o pequeno papel — Pena que o tradutor não sirva também para escrita. — brincou.
— Verdade. — balbuciei, enquanto olhava para nossa observadora e passava a mão no pequeno medalhão, que em volta do meu pescoço, servia de tradutor-universal para sons.
— Bom, aqui diz: “Gostaria de conhecê-lo melhor. Você corre perigo! Espero-o após as 34 horas no saguão do hotel.”. Que tal? Ela não nega a origem!
— O que disse?
— Ela é uma Tiruana. As mulheres tiruanas são assim, audaciosas e oferecidas. Estão acostumadas a conquistar os homens, que não resistem a suas qualidades.
— Como assim? Que qualidades?
— Se estou certa, vai descobrir, muito em breve. — retrucou ela com uma ponta de ciúme na voz.
— Espere um pouco... não acha que eu?
— Airam, não te culpo de estar curioso. Afinal ela é bonita, atraente e alieniginamente excitante.
— Certo, mas por enquanto, vamos esquecê-la. Fingir que não está aqui.
— É difícil. — Arina olhou para a jovem tiruana, que mesmo assim insistia em fitar-nos — Ela é insistente.
O jantar terminou e assim que a conta havia sido paga, deixamos o local, enquanto nossa observadora sorria de forma maliciosa.


II

Horas mais tarde, após ter deixado Arina em seu quarto, estava observando a vista, da ampla janela de meu quarto, quando o anunciador sou forte e estridente. Imaginei quem seria, pois não esperava ninguém; aproximei-me da porta, após apanhar meu roupão, pois já estava de pijama. 
Acionei um botão, logo abaixo de um pequeno monitor e a imagem externa apresentou-se, era a jovem tiruana.
— O que deseja? — indaguei, enquanto pensava o quanto ela era insistente. Se queria ter algo com Arina, devia evitar maiores problemas e aquela garota era problema.
— Apenas falar. Pode abrir, eu não mordo. — disse ela, através do comunicador.
Abri a porta e ela imediatamente insinuou-se para dentro.
— Feche a porta, não é seguro! — disse, acionando a trava da porta.
— Tudo bem, mas explique-me uma coisa: o que quer e quem é afinal?
— Eu sou Merina. Sou de Tiruan. — ela adentrou a ante-sala, observando a tudo com ar curioso — É um prazer conhecê-lo, terráqueo.
— Espere; como sabe que sou terráqueo? — indaguei, surpreso.
— Pelo seu cheiro. — ela sentou-se na cama e arrumou os cabelos, revelando orelhas pontiagudas — Os humanos da Terra tem um cheiro deliciosamente inconfundível.
— E o que era toda aquela história de perigo e tudo mais?
— Realmente, você corre perigo... Mas... O perigo sou eu! — ela sorriu e piscou maliciosamente.
— Imagino. — concordei, virando-me em direção à janela. 
— Não, não imagina. — ela ergueu-se e aproximou-se, passando a mão em meus ombros — Não tem algo para tomarmos?
— Bem que Arina disse que vocês eram, como direi... Arrojadas!
— Então sua amiguinha falou isso de mim? Um comentário comum para uma antariana. Ela sabe que nossa raça é muito mais “interessante” que a dela!
— Opinião interessante.
— Afinal, — disse ela, afastando-se de mim em direção ao mini-bar que havia na ante-sala e preparando dois drinks — como é seu nome terráqueo?
- Airam Turini. — disse, enquanto caminhava em sua direção — E você, Merina, o que quer comigo?
— O que uma mulher pode querer com um homem? Sabia que nós tiruanas somos muito, como direi?... Fogosas?
— Creio que a palavra mais correta seria “atiradas”, mas...
— Pois brindemos a isso. — disse ela, sorrindo.
Apanhei o copo que ela servira e tocamo-os num brinde, com um tilintar.
Mas, antes que pudéssemos tomar um único gole sequer, a porta foi aberta, violada por dois enormes brutamontes, dois seres meio répteis, de pele escamosa e grossa, numa tonalidade marrom-acinzentada, com enormes mandíbulas e pequeninas orelhas em forma triangular. Eles avançaram sobre nós, mas seu alvo principal parecia ser Merina, ela esquivou-se com uma habilidade que me abismou, enquanto o segundo invasor chocava-se contra mim, arremessando-me ao chão.
Meio tonto, consegui empurrá-lo com os dois pés, enquanto tentava alcançar o cinturão com minha pistola-energética, que ficara pendurada sobre o encosto da cadeira, próxima à cama. Enquanto isso, o segundo já tinha Merina em suas mãos, enquanto rugia algo para meu adversário, que segurava meu pé, embora tentasse esticar-me ao máximo para alcançar a cadeira.
— Deixe-o! — gritou com uma voz gutural — Temos a garota!
— Não. — retrucou meu agressor — Ele é testemunha!
Porém, antes que conseguissem sair, Arina surgiu na porta, empunhando sua pistola-energética.
— Quietos! — gritou ela para os dois invasores, que surpresos ficaram estáticos.
Eu, conseguindo me desvencilhar de meu agressor, apanhei meu coldre, sacando minha pistola e apontando para ele.
— Ainda bem que chegou. — agradeci, erguendo-me do chão.
— Eu escutei o barulho e achei que a festa estava boa! — retrucou ela.
— Mande este idiota me soltar. — pediu Merina, tentando desvencilhar-se das fortes garras de seu captor.
— Faça o que ela manda! — ordenei.
O ser meio lagarto soltou Merina, e aproximou-se de seu amigo, enquanto Merina aproximava-se de mim.
— Obrigado, terráqueo. — agradeceu ela, e abrindo a pequena bolsa que trazia, sacou uma pequena arma que apontou em minha direção — Vá com eles e você também antariana... e solte essa arma!
Arina, surpresa, aproximou-se dos dois seres, enquanto Merina mantinha-me sobre sua mira.
— Vocês dois, lagartóides, para o banheiro! — ordenou ela, enquanto os dois obedeciam, resmungando algo em seu idioma gutural — Tranque a porta terráqueo!
Fiz o que ela mandou, depois eu e Arina aproximamo-nos mais da entrada do quarto.
— Agora, você, antariana, quero que abra o intercomunicador e retire uma pequena sacolinha prateada que está dentro dele!
Arina fez o que ela mandava, enquanto eu era mantido sobre sua mira. Assim que conseguiu, entregou a pequena sacola para Merina, colocando-a sobre a mesa, de onde ela conseguiu apanhá-la.
— Obrigada! — agradeceu Merina — Sinto muito, terráqueo! Realmente é uma pena não termos podido aproveitar melhor esta noite, mas fica para outra vez!
— Só me diga uma coisa. — pedi, enquanto eu e Arina permanecíamos imóveis — Por que eu?
— Ora, terráqueo... Primeiro pela curiosidade, a oportunidade de ter um terráqueo. Nunca dormi com nenhum! E segundo que, percebi o porte de sua amiga e até o seu mesmo... Combatentes-estelares, os melhores da Galáxia. Os únicos que conseguiriam lidar com esses dois lagartóides. Eles estavam nos meus calcanhares desde que roubei esta jóia de seu chefe, duas noites atrás. Foi fácil entrar aqui e esconder a jóia. — ela retirou um brilhante colar de dentro da sacolinha — Agora presos aqui, me garantirão o tempo suficiente para escapar deste planeta no transporte da madrugada!
— Bastante original. — retruquei.
— Não muito, mas eficaz! Agora os dois tenham uma boa noite! — ela aproximou-se da porta e, após abri-la, disparou contra o mecanismo de comando — Creio que pela manhã alguém virá abrir a porta, serviço de quarto como sabem.
— Eu não te falei. — retrucou Arina.
— Devia ter escutado sua amiga, terráqueo, ou a mim mesma. Não te falei que eu era o seu perigo! Tenham uma boa noite! — antes que a porta se fechasse, ela efetuou mais um disparo, que atingiu o intercomunicador, fazendo suas peças voarem aos pedaços e despediu-se com um aceno e um rápido beijo jogado.
A porta fechou, enquanto eu e Arina, sentávamo-nos na cama, lado a lado.
— É, creio que nossa noite não terminou bem como esperávamos. — retruquei, olhando-a.
— Tem razão, mas dos males o menor! — ninguém se machucou. Arina olhou para a porta, trancada, do banheiro — O que faremos com esses dois?
— Amanhã, quando abrirem o quarto, chamaremos a segurança, eles que cuidem dos dois, já fizemos nossa parte nessa palhaçada!
— Certo. E nós? — indagou ela com um sorriso — O que faremos?
— Dormir. Ou tem algo melhor em mente? — indaguei, olhando-a nos olhos verdes.
— Quem sabe? Temos a noite toda para tirarmos algumas dúvidas. Por que não começamos logo?
Nossas bocas foram aproximando-se, lentamente, e tocaram-se num molhado beijo, enquanto nossos corpos tombavam lado a lado na macia cama. As luzes apagaram-se a um simples comando vocal e a luminosidade vinda de fora cobria-nos com um leve brilho especial. Afinal de contas... Aquele encontro incomum, não fora de todo ruim!


FIM








2 comentários:

  1. E viva os terráqueos. E as garotas, é lógico, ainda que estelares.
    Beleza de conta, nobre Almir.
    Abraços,
    Tião Carneiro

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    Respostas
    1. Muito obrigado, meu amigo.
      Agradeço a atenção e o comentário.
      Abraços!
      Almir Carlos Valente

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